19 dicembre 2025

Abrir um banco digital do zero parece “só” criar um app com saldo na tela. Só que dinheiro exige regras, controles, parceiros, tecnologia e operação funcionando. Por isso, quando alguém pesquisa como abrir um banco digital do zero, a resposta certa começa aqui: “banco digital” é o canal. A licença e o enquadramento regulatório podem ser diferentes, dependendo do que você vai oferecer.
Aqui vai um passo a passo prático, do enquadramento ao atendimento.
Aviso: conteúdo educacional, não é consultoria jurídica ou regulatória. Para decisões formais, envolva especialistas.
Entenda o que você quer construir: banco, instituição de pagamento ou fintech de crédito
No uso comum, “banco” virou sinônimo de conta digital. Na prática, existem categorias com permissões e obrigações diferentes. O Banco Central mantém processos de autorização e atos de liberação para instituições do Sistema Financeiro Nacional e do Sistema de Pagamentos Brasileiro.
Três caixas cobrem a maioria dos projetos iniciais:
Instituição de pagamento (IP):
foca em conta de pagamento e serviços de pagamento. A Resolução BCB nº 80/2021 disciplina a constituição e o funcionamento das instituições de pagamento e trata de parâmetros para pedidos de autorização.
Fintech de crédito (SCD ou SEP):
se o núcleo é crédito, você entra em SCD e SEP. A Resolução CMN nº 5.050/2022 dispõe sobre a organização e o funcionamento dessas sociedades e disciplina operações por plataforma eletrônica, com versão vigente atualizada em 2025 no repositório do BCB.
Banco (licença bancária):
tende a exigir mais capital, governança e tempo, mas dá o guarda chuva mais amplo de produtos.
Escolher a caixa errada é caro. Você pode ter o melhor produto do mundo e mesmo assim travar por enquadramento.
Quatro caminhos para lançar sem tropeçar na regulação
Caminho 1: parceria com instituição regulada (BaaS ou embedded finance)
Você usa a licença e parte da infraestrutura regulatória de um parceiro, e foca em marca, jornada, distribuição, suporte e dados. É o caminho mais rápido para validar demanda.
Ponto de atenção: terceirizar a licença não terceiriza a reputação. Fraude e atendimento ruim viram crise de marca.
Caminho 2: virar instituição de pagamento
Faz sentido quando o foco é conta e pagamentos. A Resolução BCB nº 80/2021 é uma referência central para entender o enquadramento de IP e o processo de autorização.
Caminho 3: virar SCD ou SEP
Faz sentido quando crédito é o produto. A Resolução CMN nº 5.050/2022 organiza o funcionamento e o que pode ser feito por plataforma eletrônica.
Caminho 4: buscar licença bancária
É o modo mais exigente. Normalmente aparece quando a empresa já tem escala, governança madura e apetite de capital para ampliar escopo.
Proposta de valor: escolha um público e vire indispensável
O mercado está lotado de “conta grátis para todo mundo”. Isso vira commodity.
Um recorte bem feito acelera tudo:
• PJ e microempresa: cobrança, conciliação, cartão, gestão de caixa
• Autônomos: recebimento, organização e imposto sem trauma
• Plataformas: conta e pagamentos embutidos na própria base
• Verticais: saúde, educação, logística, agronegócio
Uma proposta forte cabe em uma frase com verbo e métrica: “Ajudamos X a reduzir Y em Z”. Se não dá para escrever isso, ainda é rascunho.
MVP de verdade: a primeira transação e o suporte funcionando
MVP em finanças não é “tela de cadastro”. MVP é o menor conjunto que permite abrir conta, colocar dinheiro, mover dinheiro e resolver problemas quando algo dá errado.
Um MVP realista para começar:
• Onboarding com verificação de identidade e validação antifraude
• Conta com saldo e extrato
• Pix para enviar e receber
• Limites simples e notificações
• Suporte com rotinas de estorno, devolução e bloqueio
Pix influencia sua arquitetura e sua negociação com parceiros. O Banco Central descreve formas de participação e indica que instituições de pagamento sem autorização, se forem participantes do Pix, devem ser participantes indiretos do SPI. Isso afeta liquidação, acesso ao DICT e responsabilidades operacionais.
Risco e compliance: o “produto invisível” que segura a empresa em pé
Fintech não morre só por falta de usuário. Morre por fraude, bloqueios mal explicados e operação caótica.
Três pilares precisam existir antes de escalar aquisição:
Identidade e cadastro
• KYC e KYB com trilha auditável
• regras para tentativas repetidas e dados inconsistentes
• política de aceitação e recusa
Antifraude em camadas
• sinais de dispositivo e comportamento
• regras por transação (valor, destino, horário, padrão)
• revisão humana no início, para aprender com casos reais
Prevenção à lavagem de dinheiro
Monitoramento transacional, alertas e investigação. Mesmo com parceiro, você precisa entender e explicar movimentações ao cliente e ao regulador.
Tecnologia: core bancário, ledger e conciliação, sem romantizar
O coração do banco digital é o ledger, o razão que garante que débitos e créditos batem sempre.
Duas abordagens costumam funcionar:
Core pronto com integrações e camadas próprias
Você contrata um core e constrói a experiência, regras e inteligência. Bom para ganhar velocidade.
Atenções:
• limites de personalização
• custo por transação e por conta ativa
• dependência de roadmap do fornecedor
• qualidade de relatórios e conciliação
Ledger próprio e serviços plugáveis
Você controla o coração contábil e pluga Pix, cartão, boletos, KYC e antifraude. Dá liberdade, mas exige time sênior.
Em qualquer modelo, não abra mão de:
• conciliação diária com alertas
• trilha de auditoria e logs
• monitoramento de disponibilidade
• gestão de segredos, criptografia e resposta a incidentes
Operação e atendimento: banco é uma fábrica de exceções
Quando tudo dá certo, qualquer app parece bom. A qualidade aparece nas exceções: Pix errado, suspeita de fraude, contestação, boleto que não compensou, estorno parcial.
Monte um backoffice com painel interno desde o começo. Precisa ser simples e eficiente. Defina SLAs, roteiros e quem decide cada tipo de caso. O app é só metade do produto. A outra metade é como você resolve o problema.
Modelo de receita: duas pernas primeiro, depois acrobacia
Receita em banco digital costuma vir de combinações como:
• margem do cartão (dependendo do seu papel)
• tarifas premium e serviços para PJ
• crédito
• soluções de gestão financeira para empresas
Escolha duas fontes para os primeiros 18 a 24 meses e modele cenários conservadores. Se só fecha com cinco fontes ao mesmo tempo, o plano está otimista demais.
Métricas que mostram se você está construindo um banco de verdade
Produto:
• ativação: primeira transação em 1, 7 e 30 dias
• retenção: quantos transacionam mensalmente
• receita por usuário ativo
• custo por atendimento
Risco e operação:
• fraude por mil contas e por mil transações
• tempo médio de resolução
• taxa de contestação e chargeback (se houver cartão)
• disponibilidade e incidentes
Cadastro e download são vaidade. Transação segura e recorrente é saúde.
Checklist final: como abrir um banco digital do zero sem cair em armadilhas
• Público definido e proposta mensurável
• Caminho regulatório ou parceiro escolhido
• MVP com Pix, limites e suporte pronto
• KYC, antifraude e monitoramento transacional estruturados
• Conciliação diária e trilha de auditoria garantidas
• Painel interno e processos de exceção definidos
• Duas fontes de receita planejadas com cenário conservador
• Métricas de produto, risco e operação acompanhadas
Perguntas frequentes
Preciso ser banco para oferecer conta e Pix?
Não necessariamente. Muita gente chama qualquer conta digital de “banco”, mas você pode começar com uma instituição de pagamento ou com um parceiro regulado. A Resolução BCB nº 80/2021 trata do funcionamento de instituições de pagamento e do caminho de autorização para esse tipo de operação. Para Pix, a forma de participação (direta ou indireta) depende do seu enquadramento e do arranjo com parceiros.
Qual é a diferença entre instituição de pagamento e SCD ou SEP?
Em geral, a instituição de pagamento é voltada a serviços de pagamento e conta transacional. Já SCD e SEP entram no universo de crédito e intermediação de empréstimos por plataforma eletrônica, com regras próprias de organização e funcionamento na Resolução CMN nº 5.050/2022. O ponto prático é: se você quer crédito como produto central, pense cedo em risco, funding e governança compatíveis.
Dá para começar como participante indireto do Pix?
Sim. O Banco Central descreve que instituições sem autorização que participem do Pix precisam ser participantes indiretos do SPI. Para startups, isso costuma ser a forma mais viável de iniciar, porque reduz a complexidade técnica e operacional, enquanto você valida produto e monta musculatura de risco e atendimento.



